Meu parco domínio da língua inglesa nunca me permitiu saber que nela há duas palavras distintas para designar percepções diferentes do que popularmente na língua portuguesa se reduz à palavra solidão. Lendo há algum tempo na revista Vida Simples um texto do educador e escritor Eugenio Mussak, pude ver que no inglês a solidão enquanto condição de se estar isolado, desacompanhado, solitário ou abandonado tem o nome de “loneliness”. Já a solidão enquanto isolamento intencional, com objetivo de reflexão, meditação ou mesmo de relaxamento, leva o nome de “aloneness”.
Bem pouco usual para a maioria dos brasileiros (não sei para as demais nações que têm o português como língua oficial), a palavra solitude pode bem ser o aloneness do inglês. Embora também exista no espanhol com o mesmo sentido da nossa solidão ou do loneliness, a solitude foi introduzida na língua portuguesa para designar exatamente a solidão do silêncio intencional, com alguma finalidade positiva.
Eu vejo em solitude uma palavra belíssima, imponente, poética. Gosto, inclusive, por que tem a grafia e a sonoridade parecidas com outra palavra que uso muito: solicitude (qualidade de quem é solícito, de quem tem atenção, delicadeza, consideração). Dá até para arriscar que a solitude é uma espécie de solicitude consigo mesmo; um instante de atenção que todas as pessoas deveriam dispensar a si próprias em muitos momentos de suas vidas.
A verdade é que por solitude ser uma palavra bem pouco usada, termina prevalecendo a palavra solidão com toda a sua força histórica. Muito provavelmente por isso praticamente não existe alguém que admita ser solitário. É compreensível, já que se admitir assim é, de alguma forma, admitir-se derrotado ou desdenhado pela sociedade. Em sã consciência ninguém deseja a solidão neste contexto.
Voltando ao texto de Eugenio Mussak, ele o inicia dizendo que certa vez encontrou um amigo que lhe contava estar preparando a sua segunda jornada pelo caminho de Santiago de Compostela, na Espanha – conhecida rota de peregrinos e caminheiros meditadores. Ao questionar o amigo sobre os motivos que o levaram a querer refazer aquela aventura, este respondeu: “é que ainda deixei alguns assuntos pendentes comigo mesmo”.
Infelizmente, não são muitos os que chegam a este grau de auto-conhecimento. Até porque este tipo de conhecimento requer muita humildade para vencer o orgulho nefasto que cega as pessoas e as impede de ver seus próprios defeitos e limites. É maravilhoso alguém ter consciência de que tem assuntos pendentes consigo mesmo e querer encontrar tempo e espaço para encará-los.
No mesmo texto Mussak diz o seguinte: “foi quando estava só que eu tive os grandes momentos de inspiração, tomei as principais decisões de minha vida, cheguei mais fundo na análise de minhas angústias, experimentei o prazer de minhas certezas. É quando estou só que a leitura faz mais efeito e a escrita flui com naturalidade. Sozinho, percebo que a música está tentando me fazer companhia. Foi na imensa solidão de meu pequeno quarto de adolescente que decidi que iria dedicar-me a algo que envolvesse a alma humana”.
Compartilho desse pensamento e reforço que só se tem a ganhar na busca pela solitude. Vale a pena aprender a estar sozinho, até para enfrentar os momentos de real solidão – que sempre surgem pela perda de um ente querido, pelo fim de um amor ou por um certo vazio existencial inexplicável.
Roberto Darte